Acórdão: Apelação Cível n. 2007.017499-7, de Armazém.
Relator: Des. Mazoni Ferreira.
Data da decisão: 23.08.2007.
Publicação: DJSC Eletrônico n. 297, edição de 25.09.2007, p. 175.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – ADOÇÃO – RECÉM-NASCIDO ENTREGUE À GUARDA DE TERCEIROS LOGO APÓS O NASCIMENTO – CASAL NÃO INCLUÍDO NO CADASTRO DE ADOÇÃO DA COMARCA – FORMALISMO LEGAL QUE NÃO PODE SOBREPUJAR AOS INTERESSES DO MENOR – LAÇOS FAMILIARES ESTABELECIDOS COM OS PRETENSOS ADOTANTES – SUPREMACIA DOS INTERESSES E BEM-ESTAR DO INFANTE – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO.
Mostra-se viável a concessão do pedido de adoção, quando evidenciado que a criança encontra-se plenamente adaptada à nova família, que se mostrou capaz de assegurar a proteção, assistência e educação que lhe é devida.
Embora a inscrição no cadastro de interessados à adoção seja uma exigência legal, a sua ausência não pode ser óbice ao deferimento da adoção, uma vez que o formalismo legal não pode se sobrepor aos interesses do infante, ainda mais quando este já tenha consolidado laços de afeto com os adotantes e todas as demais situações lhe são plenamente favoráveis.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.017499-7, da comarca de Armazém (Vara Única), em que são apelantes V. de S. B., e J. F. F. B.:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por unanimidade de votos, dar provimento ao recurso. Custas na forma da lei.
RELATÓRIO
Perante o Juízo da comarca de Armazém, V. de S. B. e J. F. F. B. ajuizaram, em 20-12-2006, Ação de Adoção c/c pedido liminar de Guarda e Responsabilidade do menor J. D. S., nascido em 15-10-2006, alegando, em síntese, que obtiveram, por ato voluntário da mãe biológica, a guarda de fato do adotando desde o seu nascimento, para fins de proporcionar toda a assistência necessária ao bom desenvolvimento da criança, para posterior adoção.
Aduziram que além de estarem casados há treze anos, são pessoas idôneas, honestas e trabalhadoras, o que lhes permite garantir todo o apoio e cuidado para um bom desenvolvimento físico e psíquico do infante.
Alegaram, ainda, que a mãe biológica do rebento não demonstra qualquer interesse na criança, inclusive demonstrado vontade em entregá-lo à adoção. Ao final, requereram a procedência do pedido.
Após receber a inicial, a Juíza a quo determinou a verificação da existência de inscrição dos autores no Cadastro Único Informatizado de Adoção e Abrigo – CUIDA, bem como, a realização de estudo social na residência dos requerentes.
Às fls. 14, foi certificado que o casal não estava inscrito no cadastro de pretendentes à adoção.
Realizado o estudo social (fls. 16/17), o representante do Parquet manifestou-se pela consulta das pessoas inscritas no cadastro a fim de manifestarem interesse na adoção do infante (fl. 18), tendo um casal, devidamente inscrito, manifestado de forma positiva (fl. 22).
Sentenciando o feito, a Dra. Juíza de Direito julgou improcedente o pedido de adoção formulado pelos autores, com fulcro no art. 269, I, do CPC.
Inconformados, os demandantes apelaram tempestivamente, alegando, em resumo, que não se pode levar em consideração apenas a ausência de inscrição dos interessados no cadastro de adoção. Sustentam, ainda, que o infante já consolidou os vínculos de afeto e carinho com eles, sendo que a abrupta ruptura dessa relação certamente irá trazer conseqüências prejudiciais ao seu desenvolvimento. Por fim, pugnam pela reforma da sentença, com o conseqüente deferimento da adoção postulada.
O representante do Ministério Público opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 58/59).
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Jobél Braga de Araújo, opinou pelo provimento do apelo (fls. 65 a 69).
VOTO
O recurso é conhecido porque próprio e tempestivo.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 e da Lei n. 8.069/90, foram concretizados os novos direitos da população infanto-juvenil, passando as crianças e os adolescentes a ser considerados sujeitos de direitos, e sido ressalvada sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. A adoção da doutrina da proteção integral (art. 1º do ECA) fortaleceu o princípio do melhor interesse da criança, que deve ser observado em quaisquer circunstâncias, até nas relações familiares e nos casos relativos à filiação.
No caso em exame, a concessão da adoção constitui efetivo benefício ao adotando.
Sobre o tema leciona Tânia da Silva Pereira:
"O art. 1.625 do novo Código Civil determina que a medida deve constituir 'efetivo benefício para o adotando'. Manteve, desta forma, as diretrizes do art. 43 do ECA ao indicar que a adoção deve 'apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos'.
As expressões 'efetivo benefício' ou 'reais vantagens' reportam-se ao princípio do 'melhor interesse da criança', presente na Cláusula 3.1 da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil através do Decreto n. 99.710/90), mas, também, porque estamos diante de um princípio especial, o qual, a exemplo dos princípios gerais de direito, deve ser considerado fonte subsidiária na aplicação da norma." (Direito de Família e o Novo Código Civil, 2ª edição, ibdfam, Orgs. Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira, Belo Horizonte, 2002, p. 145).
Em que pese o entendimento da nobre Magistrada a quo e em respeito a entendimento diverso, tenho defendido a tese de que eventual irregularidade no procedimento de adoção não pode servir de óbice à preocupação principal do instituto que consiste justamente em assegurar ao menor a inserção definitiva em lar que o acolha com amor e carinho e que reúna as condições materiais e psicológicas necessárias a bem criá-lo e a prover-lhe o sustento, conforme se evidencia claramente no presente caso.
Questões como a preterição de alguma solenidade legal ou, ainda, como a diminuta censurabilidade da conduta do casal propensa à obtenção da posse do menor adotando podem pôr-se de lado quando o escopo da lei for atendido à mingua de dúvidas, e encontrar-se o infante em ambiente familiar adequado a sua criação.
Sobre essa questão, com muita propriedade discorre Maria Berenice Dias:
"Determina o ECA que, em cada comarca ou foro regional, haja registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e de pessoas interessadas em adotar (ECA 50). Para serem incluídos nesse rol, os pretendentes à adoção devem ser considerados aptos, após a realização de entrevistas e estudo social.
Existe uma exarcerbada tendência em sacralizar a ordem de preferência e não admitir, em hipótese nenhuma, a adoção por pessoas não inscritas. No entanto, há situações excepcionais em que é necessário deferir a adoção, ainda que o candidato não tenha se submetido ao procedimento de inscrição no registro, até porque, muitas vezes, jamais havia pensado em adotar. É o que se chama de adoção intuitus personae, em que há o desejo de adotar determinado indivíduo. As circunstâncias são variadas. Pessoas buscam adotar infantes que encontram no lixo, ou quando se vinculam afetivamente a crianças abrigadas em instituições onde trabalham ou desenvolvem serviço voluntário. Em muitos casos, a própria mãe entrega o filho ao pretenso adotante. Em todas essas hipóteses, deve-se atentar ao direito da criança de ser adotada por quem já lhe dedica um carinho diferenciado, ao invés de priorizar os adultos pelo só fato de estarem incluídos no registro de adoção.
Não sendo a pretensão contrária ao interesse da criança, injustificável negar a adoção por ausência de prévia inscrição dos interessados. A famigerada lista serve tão-só, para organizar os pretendentes à adoção, isto é, para agilizar e facilitar a concessão da medida, e não para obstaculizá-la. Constituindo-se vínculo afetivo do pretendente com a criança, é perverso negar o pedido e entregar o adotando ao primeiro inscrito na lista. Tal postura desatende aos interesses prioritários de crianças e adolescentes, que gozam de proteção constitucional." (in Manual de direito das famílias, Porto Alegre, Livraria do Advogado, p. 436/437). (original sem grifo)
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, já decidiu:
"ADOÇÃO. Tendo a genitora da menor entregue sua filha em adoção a um casal determinado (adoção intuitu personae), não se pode desconsiderar tal vontade, em razão da existência de listagem de casais cadastrados para adotar. A lista serve para organizar a ordem de preferência na adoção de crianças e adolescentes, não podendo ser mais importante que o ato da adoção em si. Desproveram. Unânime." (TJRS – AC n. 70006597223 – 7ª C. Cív., rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos – j. 13-8-03).
Nessa esteira, não discrepa a jurisprudência desta Câmara:
"Não é obrigatório aos pedidos de guarda e responsabilidade e adoção o pretendente estar inscrito no cadastro de pretendentes para adotar infantes." (TJSC – AC n. 2005.039761-6, rel. Des. Monteiro Rocha).
"APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE ADOÇÃO – AUTORES NÃO INCLUÍDOS NO CADASTRO DE ADOÇÃO DA COMARCA – FORMALISMO LEGAL QUE NÃO PODE SOBREPUJAR AOS INTERESSES DO MENOR – LAÇOS FAMILIARES ESTABELECIDOS COM OS PRETENSOS ADOTANTES – SUPREMACIA DOS INTERESSES E BEM-ESTAR DO INFANTE – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO.
“Embora a inscrição no cadastro de interessados à adoção seja uma exigência legal, a sua ausência não pode ser óbice ao deferimento da adoção, uma vez que o formalismo legal não pode se sobrepor aos interesses do infante, ainda mais quando este já tenha consolidado laços de afeto com os adotantes e todas as demais situações lhe são plenamente favoráveis” (AC n. 2004.029491-5, de Brusque, de minha lavra, j. 9-12-04)." (TJSC – AC n. 2006.037697-6, de Catanduvas, de minha relatoria, j. 8-2-07)
A solução da presente demanda deve, inexoravelmente, pautar-se no norte traçado pelo art. 43 da Lei n. 8.069/90, impondo-se a concessão da adoção, sobretudo, se apresentar reais vantagens para o adotando e se se fundar em motivos legítimos. Resta, assim, compulsar os elementos probatórios carreados aos autos a fim de se aferir o caminho que melhor vem a atender ao ditame compilado no referido dispositivo. O que deve predominar, sem dúvida, é o interesse do próprio menor J. D. S., que recentemente completou 10 meses de idade (certidão nascimento de fl. 7).
Da percuciente análise dos autos é possível constatar que o adotando encontra-se habituado ao lar e ao convívio do casal adotante, que vem desempenhando a função de pais nesses 10 (dez) meses iniciais de vida. Dito convívio reluz saudável e favorável ao crescimento e desenvolvimento do menor, à luz do estudo social levado a efeito por determinação da Juíza a quo, cuja conclusão foi a de que os requerentes vêm proporcionando um ambiente ideal para o bom desenvolvimento físico e inicial do infante.
Para corroborar à assertiva, extrai-se do parecer da assistente social Stela Lane Napoleão, acostado à fl. 32, verbis:
"A presente ação objetiva a concessão da guarda da criança J. D. S., ao casal, senhora J. F. F. B. e senhor V. de S. B., objetivando sua adoção.
"Desde os dois dias de vida, J. reside com o casal, e há quatro meses os requerentes detém sua guarda de fato.
"Aparentemente J. encontra-se bem de saúde e desenvolve-se normalmente.
"Salientamos que o casal não se encontra habilitado no Cadastro de Pretendentes à Adoção nesta Comarca.
"Observamos que este é um processo típico de adoção direta em que o casal objetiva regularizar uma situação de fato. No entanto, considerando que a criança encontra-se bem, recebendo os cuidados e a assistência adequada, que de fato o casal detém a guarda da criança há quatro meses, entendemos não ser este o momento apropriado para se questionar a ação proposta pelos requerentes. Ante o exposto, do ponto de vista social somos favorável a medida requerida."
Nos termos do estudo social, a criança vem recebendo os cuidados e a assistência adequada, o que nos leva a concluir que o pequeno J. D. S. se acha habituado e afeito a lar idôneo, assegurando-se-lhe o interesse.
Ademais, não se evidencia nos autos nenhum ato de má-fé por parte dos adotantes, uma vez que obtiveram a guarda da criança por ato voluntário da mãe biológica e, logo em seguida, promoveram de imediato a ação de adoção, na qual demonstram que atendem todos os requisitos legais e possuem condições de promover ao infante uma vida digna.
Nesse compasso, razoável a concessão do pedido dos recorrentes, tendo em vista que J. D. S. já está adaptado à nova família, que se mostrou capaz de assegurar proteção, assistência e educação que lhe são devidas.
É sensato estimar que a mãe biológica pode oferecer o filho a quem bem entender, contanto que a entrega se dê a pessoa idônea, idoneidade essa que no presente caso transparece.
Além do mais, a modificação, neste momento, do ambiente familiar de J. D. S. seria medida brutal, em razão do tempo de convívio harmonioso já transcorrido com os autores.
Sobre o assunto, colhem-se os seguintes julgados:
"APELAÇÃO CÍVEL – PEDIDO DE ADOÇÃO – CONCORDÂNCIA DOS PAIS – ESTUDO SOCIAL FAVORÁVEL – NÃO INCLUSÃO NA LISTA DE INTERESSADOS EM ADOÇÃO DA COMARCA – FORMALISMO LEGAL NÃO SUPERIOR AO INTERESSE DA CRIANÇA – ESPORÁDICA MANUTENÇÃO DE CONTATO COM O PAI BIOLÓGICO – PREJUDICIALIDADE FUTURA – SUPOSIÇÃO – DEFERIMENTO DA MEDIDA – PROVIMENTO RECURSAL
Não pode um formalismo legal, ainda que de extrema importância, sobrepujar os interesses de uma criança manifestados no caso concreto. Embora seja a inscrição no cadastro de interessados à adoção uma determinação legal, a sua ausência não pode servir de óbice ao deferimento dessa medida, sobretudo quando o infante já desenvolve há anos laços de afetividade com os adotantes e todas as demais situações lhes são favoráveis." (Apelação Cível n. 2003.007437-6, de Orleans, rel. Des. José Volpato de Souza, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 20-10-03).
"Comprovando-se que a criança, assim que nasceu, foi entregue ao casal adotante por deliberação da própria mãe, encontrando-se aquela perfeitamente integrada no lar substituto (único que conheceu), a circunstância de o pai biológico vir a reconhecê-la, posteriormente, com o fito de reivindicá-la para si, não pode alterar a situação existente. A criança deve permanecer na companhia de seus guardiães nomeados pelo Juiz competente, regularizada a situação com a destituição dos pais biológicos do pátrio poder e deferida a adoção ao casal que obteve a guarda" (Apelação Cível n. 48.038, rel. Des. Nilton Macedo Machado).
"DIREITO DE FAMÍLIA – ECA – ADOÇÃO – ENTREGA DE MENOR COM POUCOS MESES DE VIDA MEDIANTE GUARDA A FAMÍLIA SUBSTITUTA POR DELIBERAÇÃO DOS PAIS BIOLÓGICOS – AUSÊNCIA DE CONVÍVIO MÍNIMO PARA A MANUTENÇÃO DE VÍNCULOS AFETIVOS ENTRE A CRIANÇA E SEUS GENITORES – ABANDONO PSICOLÓGICO CONFIGURADO – LAÇOS FAMILIARES ESTABELECIDOS COM OS PRETENSOS ADOTANTES – EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR – ADOÇÃO DEFERIDA – RECURSO DESPROVIDO [...] 2. Deve ser deferida a adoção ao casal que detém a guarda do adotando adolescente desde que ele tinha poucos meses de vida e desde então provê toda gama de obrigações que se impõe aos pais, sendo-lhe conferidos educação, alimentação, lazer e, sobretudo, carinho familiar." (Apelação Cível n. 2003.012201-0, de Araranguá, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 28-5-04).
Destarte, por não se negar serem os apelantes as pessoas que, por suas condições subjetivas e familiares, melhor atendem ao preceito contido no art. 43 da Lei n. 8.069/90, a eles se reconhece o direito de ser conferida a adoção.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso, para deferir a adoção do menor J. D. S. em favor dos recorrentes.
DECISÃO
Nos termos do voto do relator, a Segunda Câmara de Direito Civil decide, por unanimidade de votos, dar provimento ao recurso.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Monteiro Rocha e Victor Ferreira.
Lavrou parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Jobél Braga de Araújo.
Florianópolis, 23 de agosto de 2007
Mazoni Ferreira
PRESIDENTE E RELATOR
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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